21 de julho de 2021

O mundo de Narnia (ficção)

 




Por Adilson Fonseca*


Tribuna da Bahia, Salvador
21/07/2021 06:00 | Atualizado há 17 horas e 14 minutos
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“É muito mais difícil matar um fantasma do que matar uma realidade” - Virginia Woolf (1882-1941) foi uma romancista, ensaísta e editora inglesa. Uma das principais escritoras do Movimento Modernista do século XX. Famosa por apresentar em suas obras as questões políticas, sociais e feministas.


No mundo paralelo, o relógio do tempo gira ao contrário. Condenados por corrupção pela justiça, são apenas um gênero de brasileiros sem maiores consequências e podem sim, disputar eleições, e até ser presidente da República. E denunciados em inquéritos por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e até mesmo acusados de pedofilia, podem presidir ou ser relator de Comissões Parlamentar de Inquéritos (CPI). Esse mundo existe e não fica em Narnia, mas no Brasil.


Narnia é um mundo fantástico criado pelo escritor irlandês Clive Staples Lewis, onde o inimaginável acontece. É tão fantástico que foi transformado em uma série de sete livros: As Crônicas de Narnia, onde as narrativas se sobrepõe à realidade. Em Narnia existem animais que falam, o oceano tem água doce, é coberto por flores, e o céu encontra o mar. O solo é uma camada morta como a pele que recobre o nosso corpo, mas no interior da terra, as rochas também são criaturas vivas. O céu é habitado pelas estrelas, que também são vivas e realizam danças que os sábios podem interpretar para fazer predições e outros acontecimentos.

Na Narnia brasileira, os únicos animais que falam são os humanos, e por isso mesmo, muitos cometem barbaridades, usando a sua eloquência verbal para burlar leis, enredar crimes e falcatruas e se valerem de dispositivos por eles mesmos criados, para continuarem impunes. Com a fala e uso da verborragia, ludibriam e fascinam alguns, mesmo que seus crimes sejam flagrantemente escancarados, e que sejam condenados pela justiça, que num mundo cinicamente fantasioso, descobre que o crime compensa.

Como numa fábula, os habitantes da Narnia brasileira veem tudo ao contrário da realidade e idolatram criminosos, e são coniventes com os seus crimes. Tanto é que nesse mundo fantasioso, corrupção é aquela situação em que não se paga um centavo de recursos públicos, e não existe quaisquer materialidades do suposto crime. Mas quando há corrução comprovada, desvios de recursos, obras pagas e não existentes, contratadas em empresas de fachadas (lojas de vinhos, especializadas em produtos à base de maconha e casas de massagens), e que vendem equipamentos e insumos comprados, pagos adiantados mais jamais entregues, não é considerado crime. Porque na Narnia brasileira bandido é exaltado e criminoso transformados em arautos da moralidade. Corrupção é onde não há desvios, mas onde houver roubalheira é rotulado de “mal feito”.

No mundo imaginário, em que surgem dois Brasis, o primeiro, real, mostra um presidente que não teme ir às ruas falar com a população. E é bem recebido em todos os lugares com festa. No outro Brasil, o de Narnia, sua popularidade está em queda. No mundo de Narnia, o Brasil vive uma ameaça fascista e nazista, com um presidente genocida no comando. Venezuela é rica em democracia e Cuba, agora envolvida em sucessivos protestos pedindo o fim da Ditadura dos Castros, é o melhor dos mundos.

Sem conectar-se com a realidade dos fatos, ações como as da CPI da Pandemia vira uma pantomima com forte característica histriônica, cujo horizonte é a eleição presidencial em outubro de 2022. E na linha do horizonte está a figura do presidente Jair Bolsonaro, cuja realidade dos fatos, até o momento, lhe é favorável e, portanto, só pode ser alijado do poder mediante uma realidade fantasiosa, como a de Narnia.

O mundo de Narnia criou uma dualidade existencial no Brasil, onde não há espaços para a realidade dos fatos. Ali tudo é fantasioso, narrativo, como bem mostra a CPI da Pandemia, onde fatos são encobertos em uma densa nuvem, para que não venham à tona. Mas das narrativas narnianas dos senadores, emerge um mundo retórico, onde os absurdos viram regras e as fantasias viram verdades e os fatos.

E como as fantasias são como neblinas, que se desfazem ante a luz do sol ao amanhecer, no dia a dia da CPI, o mundo fantasioso de Narnia vai se desmanchando ante a luz da realidade dos fatos, que aos poucos vai se impondo de forma inexorável. Ir para Narnia, conforme a série As Crônicas de Narnia, é quando a pessoa está em outra dimensão. Para quem não gostar de Narnia, existe ainda um outro mundo, também fantasioso, a Terra do Nunca, de Peter Pan, do escocês J. M Barrie (1860-1937), cheio de fadas e duendes, onde os habitantes jamais ficam adultos.

* Adilson Fonseca é Jornalista e escreve neste espaço às quartas-feiras

Fonte: Tribuna da Bahia





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