9 de maio de 2014

PROCESSO ELETRÔNICO É UM PROBLEMA PARA OS ADVOGADOS


 
O vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cláudio Lamachia, em sua passagem por Salvador, no final do mês de março, concedeu uma entrevista ao Bahia Notícias para falar sobre a migração dos processos físicos para o processo eletrônico. Lamachia afirma que é necessário migrar os sistemas, pois o “Poder Judiciário já não dá mais conta da demanda de processos” e que o sistema judicial brasileiro permite recursos infinitos. Para ele, a implantação do Processo Judicial Eletrônico (PJE) é necessária por ser um “meio capaz de agilizar o andamento dos processos”, e que a Ordem não se coloca contra a implantação do sistema.  “A OAB entende que o processo judicial eletrônico é uma excelente ferramenta, mas que ela deve ser implementada de forma lenta e gradual”, diz Lamachia. Ele explica que a transição precisa ser gradual para que os advogados se adaptem ao sistema. Outro ponto destacado pelo vice-presidente da Ordem e que pode ser um problema é a falta de infraestrutura. Ele diz que a implantação do PJE requer internet banda larga de qualidade e energia elétrica. A Ordem, segundo Lamachia, defende que a migração para o PJE seja feita da mesma forma que o imposto de renda migrou do papel para o meio digital. “Em um primeiro momento, nós tivemos o imposto de renda que era entregue em disquete, depois nós tivemos imposto de renda que poderia ser feito pela internet. Houve essas duas modalidades para que houvesse uma adaptação da sociedade e dos contribuintes”, explica. Diante das dificuldades encontradas por muitos advogados, o vice-presidente da Ordem diz que “o advogado quase que tem que fazer uma faculdade de internet e tecnologia da informação para que ele possa se adaptar a todos estes sistemas”. 
Bahia Notícias: Nós temos acompanhado a mudança dos sistemas eletrônicos judiciais aqui na Bahia, da migração do processo físico para o digital. Eu gostaria que o senhor explicasse porque é necessário fazer essa transição. Qual a importância desta migração do processo físico para o processo digital, qual o ganho para sociedade?

Cláudio Lamachia: Hoje, todos nós sabemos que o Poder Judiciário já não dá mais conta da demanda de processos e que nós temos recursos que são infinitos. Portanto, nós temos que buscar, através da qualificação da gestão do Poder Judiciário e dos meios efetivos tecnológicos à disposição, novas fórmulas de minimizar os efeitos da morosidade do Judiciário. O Processo Judicial Eletrônico (PJE), processo judicial ou processo eletrônico, ele é, efetivamente, um meio capaz de agilizar o andamento dos processos e a Ordem dos Advogados do Brasil [OAB] não é contra o processo judicial eletrônico. A OAB entende que o processo judicial eletrônico é uma excelente ferramenta, mas que ela deve ser implementada de forma lenta e gradual, para que, primeiro, se possa disponibilizar aos advogados os meios de treinamento, e, segundo, para que se possa ter a certeza, a convicção de que nós teríamos acesso ao próprio sistema através dos seus meios tecnológicos necessários. Ou seja, em outras palavras, o que preocupa é que hoje nós precisamos para implementação obrigatória do processo judicial eletrônico uma infraestrutura tanto de internet banda larga quanto de energia elétrica. Por via de conseqüência, se nós não tivermos hoje estrutura, no que diz respeito a internet banda larga e energia elétrica, um cidadão que estará representado por uma advogado poderá ter seu direito comprometido em juízo. E é por isso que a Ordem tem defendido a coexistência das duas possibilidades. Ou seja: a existência do processo em papel como sistema do PJE até que haja efetivamente uma comprovação de que o sistema não tem risco e de que nós temos os meios tecnológicos, e principalmente de infraestrutura, à disposição da sociedade. Imagine que um cidadão que esteja representado por um advogado e que esteja discutindo um direito seu em juízo e, que, perca um prazo por força de que naquele momento que ele acessou a internet, e a internet não estava funcionando, e ele venha a perder o seu imóvel, por exemplo. Como fica isso? Esta é a preocupação que a Ordem tem. O Conselho Federal da OAB e a Seccionais do Brasil hoje preocupam-se muito em com a migração dos sistemas. A migração para o sistema do PJE é necessária, mas ela tem que ser feita de forma gradual, responsável e de forma que não exclua, e sim, inclua os advogados e por via de consequência a sociedade.
 
BN: Como é que tem sido, na prática, a migração do sistema do processo físico para o digital? Em algumas unidades já não tem se aceitado mais o processo em papel...

CL: Pois é, isso que nos preocupa muito, por isso temos feito esta crítica. Nós entendemos que o processo judicial eletrônico deve, necessariamente, conviver harmonicamente com o sistema papel, ou seja, com o sistema tradicional. Nós trazemos como exemplo exatamente o imposto de renda. Veja bem: ao longo de muitos anos o imposto de renda foi trabalhado na ideia da migração para um sistema eletrônico. Em um primeiro momento, nós tivemos o imposto de renda que era entregue em disquete, depois nós tivemos imposto de renda que poderia ser feito pela internet. Houve essas duas modalidades para que houvesse uma adaptação da sociedade e dos contribuintes. Se trabalhou sempre com a possibilidade de continuidade da entrega em papel. A exigência do processo judicial apenas pelo meio eletrônico está colocando em risco a sociedade e a cidadania.

BN: Essa diversidade de softwares que existe, isso também é um problema? A gente tem o PJE, o E-SAJ, Projudi...

CL: Seguramente! A Ordem busca a unificação de sistema, porque pela diversidade que nós temos hoje de sistemas no Brasil, o advogado quase que tem que fazer uma faculdade de internet e tecnologia da informação para que ele possa se adaptar a todos estes sistemas. Temos discutido, temos debatido e nós temos defendido a ideia da unificação, o processo judicial eletrônico é exatamente a unificação que se quer, mas se quer a unificação com um bom sistema. O processo judicial eletrônico, ainda sobre a nossa avaliação, ele não é um bom sistema, ele precisa de inúmeras adaptações e é isso que nós temos defendido.


BN: Como é que a OAB tem se posicionado sobre esta implantação do PJE neste momento, há alguma interlocução com Conselho Nacional de Justiça [CNJ]? Como é que tem sido esta conversa com o CNJ?

CL: Nós temos tido sim uma interlocução com o CNJ, nós temos buscado sensibilizá-los sobre a necessidade de atenderem os pleitos da OAB e, de, principalmente, no que diz respeito a esta questão, que tenho colocado como importantíssima, que é a coexistência dos dois sistemas por um período para que possa possibilitar e trazer aos advogados a necessária adaptação. Mas até o presente momento nós não conseguimos sensibilizar o CNJ da necessidade de observação deste tema.

BN: A Ordem vai tirar alguma deliberação das audiências que estão acontecendo país afora para discutir o PJE?

CL: Sim, seguramente. Nós já encaminhamos ao CNJ vários documentos, a Ordem já encaminhou ao CNJ trabalhos técnicos buscando alteração de diversos pontos nos sistemas. Em muitos já conseguimos evoluir, isto é bem verdade e tem de ser dito: muitos dos temas foram efetivamente alcançados pelo CNJ. Mas os temas centrais e principais que nós entendemos importantes ainda não conseguimos e, entendemos que o CNJ, tem sim, que ter uma maior sensibilidade neste tema, principalmente porque nós estamos falando de acesso à Justiça, e nós não podemos tirar isso do cidadão. Nós não podemos tirar do advogado a condição de ter acesso à Justiça em nome do seu cliente, do seu constituinte.

BN: Isso então seria uma lesão das prerrogativas do advogado?

CL: Seguramente. O sistema na forma que está hoje, ele pode sim trazer, efetivamente, desrespeitos as prerrogativas da advocacia. O desrespeito a prerrogativas da advocacia devem ser entendidos como desrespeito ao próprio cidadão, porque as prerrogativas da profissão do advogado ela são postas em defesa do cidadão que ele representa. Se o advogado deixar de ter acesso ao processo judicial num determinado momento, ele estará recebendo um prejuízo que será redirecionado ao seu cliente, ou seja, ele estará tolhido de falar em nome do seu cliente. 

BN: Uma advogada do Rio de Janeiro, que tem deficiência visual, pleiteou uma liminar no CNJ para continuar peticionando em papel. O que tem sido feito para garantir a acessibilidade do PJE para pessoas com deficiência, pessoas idosas...

CL: Este é outro tema que preocupa a todos nós: a acessibilidade no âmbito do sistema. Agora nós, no que diz respeito aos advogados com deficiência visual, nós já conseguimos encaminhar uma solução, e a partir também do trabalho desta colega também que foi feito de maneira individual e com o apoio da OAB. Mas volto a dizer: não adianta nós resolvermos o sistema apenas para aqueles colegas com deficiência, nós precisamos resolver o sistema para toda a advocacia e por via de consequência para a cidadania.


BN: A advocacia é a que mais reclama do PJE. Aqui na Bahia, na Justiça comum, foi implantado o E-SAJ, e muitos magistrados têm reclamado do sistema, que não disponibiliza os votos, que não é seguro para aferir produtividade. Em que medida esses problemas afetam outras partes do Judiciário?

CL: Isto é uma demonstração clara de que o sistema do processo judicial eletrônico está muito longe de ser uma unanimidade. Ao contrário, eu ousaria dizer que hoje ele é uma unanimidade no que diz respeito a crítica que ele sofre tanto de juízes quanto de advogados, quanto de membros do Ministério Público, quanto de servidores. Se todos os atores do processo criticam o atual momento do processo judicial eletrônico é porque ele precisa de adaptação, e estas adaptações elas devem ser feitas de forma gradual e, portanto, isso força a ideia da OAB de que o sistema deve ser implementado de forma absolutamente gradual, ou seja, possibilitando sim as adequações do sistema sem exclusão dos operadores do direito e principalmente sem prejuízo as partes.
 
BN: Uma das críticas é com relação às intimações. Existe um modelo de como a OAB defenda que devam ser realizadas as intimações? Se é no painel, por diário...

CL: A OAB, neste primeiro momento, tem defendido muito que se continue utilizando a intimação via Diário, porque isto traz a segurança que nós todos entendemos que seja necessário. Nós temos que ter a visão de que o processo judicial eletrônico, neste momento de implantação, neste momento de novidade, não pode ferir o direito e não pode, de alguma forma, fiar numa situação de falta de alcance numa determinada ação que seja fundamental.
 
BN: O próprio presidente da seccional baiana da OAB, Luiz Viana, disse o processo foi muito célere, e que deveria ter sido mais estendido com mais tempo, mais prolongado...

CL: Seguramente, não tenho a mínima dúvida com relação a isto. Isto é uma das críticas principais que o Conselho Federal da Ordem tem feito e eu tenho feito, inclusive a vice-presidência da OAB é a encarregada deste processo todo, de todo o encaminhamento e o acompanhamento do PJE, porque nós entendemos que são um dos temas mais importantes no momento na nossa democracia. Nós não podemos afastar o Judiciário das pessoas, nós temos que trazer o Poder Judiciário, abrir cada vez mais o Judiciário.  Nós entendemos sim, que no formato que está posto hoje, o processo judicial eletrônico está sendo implementado de forma absolutamente açodada, e por via de conseqüência, este açodamento poderá causar prejuízos a sociedade.

BN: O que o advogado deve fazer quando ele encontrar algum problema com o sistema? A quem ele deve recorrer?

CL: O advogado encontrando problemas, tendo ideias, críticas, sugestões, que ele entre em contato com as comissões de tecnologia de informação (TI) da OAB e com as comissões de prorrogativas do advogados das respectivas seccionais da Ordem

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