Entre o eleitor e os candidatos eleitos está o poder econômico
Marcus Ianoni
Iniciada a prestação de contas mensal dos candidatos aos cargos eletivos em disputa na atual campanha eleitoral, explicita-se novamente algo que tem sido familiar ao sistema político brasileiro: a tendência à onipresença do financiamento privado empresarial, que doa alguns bilhões de reais em eleições como a desse ano. Não vou aqui dar dados sobre essa realidade. Eles são muitos e têm sido divulgados por várias fontes. Meu objetivo é fazer uma rápida reflexão sobre algumas implicações do financiamento político empresarial para a representação política e sobre o que pode ser feito para mudá-lo.
Financiamento político é o recurso destinado a financiar duas instituições políticas, os partidos e as eleições. No Brasil, o financiamento político é misto, público e privado, mas a presença dos recursos provenientes de fontes privadas, sobretudo as empresas, é desproporcional em relação ao montante público. Os partidos e as campanhas eleitorais recebem, de maneira direta ou indireta, financiamento público, seja através do fundo partidário ou do horário eleitoral gratuito. Mas pessoas físicas e jurídicas também podem contribuir para os partidos políticos e para os candidatos a todos os cargos. As pessoas físicas podem contribuir até o limite de dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição. O limite das pessoas jurídicas é de dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição. Além disso, os candidatos podem dispor de recursos próprios, mas também dentro de certos limites.
Na prática, essas regras têm ensejado a privatização do processo eleitoral e do resultado das eleições. O que significa dizer isso? Significa que as campanhas eleitorais mais visíveis e os vencedores são os que mais arrecadam recursos privados. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), com pedido de medida cautelar, de autoria da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) considera que o financiamento de campanhas por empresas, facultado na legislação partidária e eleitoral, fere os princípios constitucionais de igualdade, democracia e República. Como pensar em igualdade de participação dos candidatos nas eleições se a regra é que vencem os que arrecadam mais dinheiro dos empresários? Como pensar em democracia representativa enquanto poder do povo, exercido por meio dos representantes, se os candidatos mais ricos em recursos provenientes de fontes empresariais vencem as eleições, ou seja, se o que predomina é o poder dos mais ricos? E como pensar em República se a representação popular dá lugar à representação do poder privado das empresas, em detrimento da coisa pública? Desde abril, a votação da petição da OAB está em mãos do ministro Gilmar Mendes, que pediu vistas na ação. No entanto, a votação está em 6 a 1 a favor da medida da OAB, de modo que não há mais como alterar esse resultado e, ao que tudo indica, as legislações partidária e eleitoral terão que ser alteradas em relação ao financiamento por parte das empresas. Se as empresas querem contribuir, um meio de fazê-lo seria doarem para um fundo público, administrado pelo Tribunal Superior Eleitoral, e distribuído aos partidos com base em algum critério de proporcionalidade, tal como ocorre, por exemplo, com o fundo partidário. Há propostas institucionais nesse sentido.
Reclama-se muito da corrupção, e deve-se mesmo reclamar. Porém, além de reclamar, é preciso combatê-la. Uma porta de entrada principal da corrupção é o financiamento privado empresarial. Como diz a expressão de origem inglesa, “não existe almoço grátis”. Os doadores demandam, em troca, benesses, favores, obras superfaturadas, privilégios na oferta de serviços, tratamento especial etc. Mas a grande mídia, que grita contra a corrupção, aborda muito pouco a reforma política, que tem como um de seus principais objetivos o enfrentamento do problema do financiamento empresarial, uma das mais importantes fontes da corrupção.
Mas as organizações da sociedade civil estão mobilizadas em torno da reforma política. Um dos principais pontos na luta pela reforma política é a retirada do financiamento empresarial do caminho que liga o eleitor ao eleito. Há em andamento duas grandes iniciativas populares de luta pela reforma política, o “Projeto de Iniciativa Popular de Reforma Política e Eleições Limpas (reformapoliticademocratica.com.br) e o “Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político” (plebiscitoconstituinte.com.br). Há anos o Congresso Nacional resiste em fazer a reforma política. Se o Congresso Nacional não vem até o povo, o povo vai até ele, através dos canais institucionais de democracia direta que alimentam as duas campanhas populares mencionadas.
*Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política daUniversidade Federal Fluminense (UFF)e pesquisador das relações entre Política e Economia.
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