22 de agosto de 2014

Por trás dos candidatos, os programas econômicos

Bruno de Conti
Com o início da propaganda eleitoral gratuita, a corrida por votos entra em uma nova fase, em que as propostas de cada candidato são difundidas em toda a rede nacional de rádio e televisão, atingindo mais diretamente o conjunto de eleitores. O trágico acidente envolvendo Eduardo Campos altera o quadro do ponto de vista das intenções de voto, mas não altera o conteúdo programático das distintas candidaturas. E o que elas trazem? No que diz respeito às propostas econômicas, vejo o seguinte panorama.
Partindo da extrema direita, encontra-se inicialmente o Pastor Everaldo, cuja bandeira econômica é o ultra-liberalismo, com a tão vaga quanto temível proposta de “privatizar tudo o que for possível”. O discurso moralista costuma associar a corrupção unicamente à esfera pública, como se as empresas privadas fossem o paraíso da decência, honestidade e transparência (para usar a palavra da moda).
Caminhando no espectro ideológico, chega-se na sequência à candidatura Aécio Neves, também de cunho liberal. Sua principal proposta – destacada no primeiro programa veiculado na TV – é a de corte de gastos públicos. Não fica claro, porém, onde seriam feitos esses cortes. A alegação é a de que a “máquina pública” custa muito caro, com frequente alusão ao número de Ministérios do atual governo, mas a verdade é que o aumento das despesas federais nos últimos anos foi quase que integralmente devida ao aumento de gastos sociais (os gastos públicos com funcionários, por exemplo, caíram nos últimos anos como percentagem do PIB). A extinção de alguns ministérios teria efeito praticamente nulo sobre as contas públicas e a aludida redução de gastos seria dificilmente realizada sem tocar nos programas sociais.
Adicionalmente, o programa do PSDB promete “autonomia operacional ao Banco Central, que irá levar a taxa de inflação à meta de 4,5% ao ano”. Em conjunto com as propostas de liberalização total da taxa de câmbio (em um contexto de pressão altista sobre ela) e de reajuste dos preços administrados, fica difícil imaginar que essa meta possa ser perseguida sem gerar uma recessão cavalar.
Outra importante proposta econômica de Aécio é a de ampliação da abertura comercial brasileira. O diagnóstico é que, em uma espécie de tratamento de choque, a competição internacional fortalecerá a combalida indústria nacional. O risco óbvio é que essa competição aniquile o que nos resta de indústria no país – o que converge com a tese de um dos assessores econômicos do candidato de que o Brasil não precisa de um setor industrial.
A candidatura do PSB, agora na figura de Marina Silva, representa um (pequeno) passo adicional no espectro ideológico. A análise de seu programa econômico é aqui facilitada pelas reiteradas declarações de Eduardo Gianetti, assessor econômico da candidata, de que há uma “forte convergência” entre o PSB e o PSDB no que diz respeito às propostas econômicas. Os “ajustes necessários” passariam igualmente pelos cortes de gastos públicos, elevação de alguns preços administrados e combate obstinado à inflação, a despeito dos efeitos colaterais que isso gerará. O diagnóstico do assessor é que o “Estado brasileiro é muito grande para o PIB que temos”, explicitando também sua posição liberal.
Aécio foi o primeiro a expor abertamente o “pacote de maldades” que se mostrava disposto a cumprir para acalmar/agradar os mercados, mas agora Gianetti também deixa clara sua defesa de que um eventual governo Marina faça ajustes econômicos que terão custos (temporários, em sua opinião) em termos de crescimento e emprego.
A candidatura Dilma, por sua vez, coloca-se entre a percepção de que algumas mudanças são efetivamente necessárias e a aposta de que a essência do modelo vigente pode ser mantida. As mudanças indicadas passam sobretudo por uma ênfase redobrada na questão da infraestrutura e dos bens e serviços públicos. Alguns ajustes na gestão macro são vistos como necessários, mas mais suaves do que aqueles propostos pela oposição, com o intuito de não gerar desemprego. A essência a ser mantida é a de um modelo de crescimento econômico baseado na melhoria contínua da distribuição de renda e na inclusão dos ainda excluídos; como decorrência, buscam-se a inserção crescente de famílias no mercado de consumo de massas e a manutenção da taxa de desemprego no patamar historicamente baixo em que hoje se encontra.
À esquerda de Dilma, surge um bloco de candidaturas que tem grande importância para o processo. Sem a pressão da busca incondicional por votos, esses candidatos propõem debates necessários, mas completamente interditados para aqueles que estão efetivamente em busca da vitória; apresentam alternativas que fogem do discurso comum e levantam com menos timidez algumas bandeiras históricas do próprio PT (por exemplo, a da reforma agrária).Um país que não tem oposição pela esquerda caminha inequivocamente para a direita.
Nota-se, portanto, que os debates ocorrerão – e será interessante segui-los –, mas as cartas já estão na mesa. Embora as propostas de cunho econômico não devam ser as únicas a serem analisadas, seus impactos sobre o conjunto da sociedade e sobre os rumos do país são óbvios, sendo extremamente importante que o eleitor entenda os modelos econômicos propostos.
* Bruno De Conti, professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da mesma universidade (Cecon/Unicamp)






















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