12 de agosto de 2015

Prostituição consentida não é considerada crime no Brasil

Identificação de abuso, violência ou ameaça nos casos de prostituição é fundamental para a tipificação do crime de exploração sexual


O exercício da prostituição no Brasil não é crime. Porém, apesar de ser uma atividade reconhecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, não é uma profissão regulamentada. Ou seja, as prostitutas têm seus direitos trabalhistas negados e ficam em situação de maior vulnerabilidade, o que contribui para que trabalhem em um ambiente de violência e exploração. O que configura crime, neste caso, segundo a legislação penal brasileira vigente, é a indução e a exploração da prostituição, a manutenção de estabelecimentos em que ocorra exploração sexual e o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual.
De acordo com a dissertação de mestrado O tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual e a questão do consentimento, apresentada à Faculdade de Direito (FD) da USP, as pessoas possuem o direito a não serem confrontadas com ações sexuais sem o seu consentimento; se o forem, será uma ofensa à sua liberdade. No entanto, sob a ótica da pesquisadora Thaís de Camargo Rodrigues, “sendo lícito o exercício da prostituição, condutas como seu induzimento ou facilitação não devem ser criminalizadas”.
O estudo indica que alguns autores, atualmente, entendem que, ao se tratar de sujeito maior e sem observar o abuso e a exploração da prostituição mediante violência, grave ameaça ou qualquer outra situação em que se verifique a violação do consentimento, não há falar em crime. “O consentimento válido da vítima elimina a situação de risco proibido, portanto não há tipicidade, e consequentemente, não há crime”, explica.
Com relação ao tráfico de seres humanos, a pesquisa mostra que não há um modelo padrão de aliciamento. Além disso, existem graus diferentes de exploração, que oferecem desde uma relativa liberdade à vítima até sua completa escravização. O tráfico para fim de exploração sexual, por exemplo, envolve-se com uma série de outros casos, como o contrabando de migrantes, a prostituição voluntária no exterior, a exploração sexual comercial de menores, o trabalho escravo, a indústria pornográfica, o turismo sexual. Assim, há uma dificuldade em se delimitar esse tipo de fenômeno.
Neste sentido, segundo o trabalho, “quando se tratar de pessoa maior e capaz, que tenha aderido livremente ao deslocamento de um país a outro com o fim de exercer a prostituição, sem qualquer forma de abuso, violência ou coação, conquistando ela própria certa vantagem com o ato, não há crime”.
Para a autora, a proteção da liberdade sexual deve prevalecer. “A avaliação do consentimento no crime de tráfico de pessoas ainda se encontra eivada por questões morais e paternalistas”. O estudo aponta que “não obstante admitido o Protocolo de Palermo, o consentimento de pessoa maior e capaz é ignorado na legislação brasileira vigente”. Existem ainda muitas questões controvertidas, especialmente as relacionadas aos conceitos, ao bem jurídico tutelado e às estatísticas. “Isso não deve ser obstáculo para traçar as principais características desses fenômenos. O Brasil deve atualizar sua legislação nesta seara, como fizeram Portugal e Espanha, por exemplo”, comenta Thaís.
O princípio da intervenção mínima, de acordo com a pesquisa, deve ser respeitado e cabe ao direito penal tutelar apenas as situações em que, de fato, haja dano ao bem jurídico (que, no caso, é a liberdade sexual). Se a pessoa maior e capaz optar por se prostituir, não se deverá punir aquele que a ajudar ou se deixar sustentar por ela. Não havendo violência, fraude, engano, exploração de situação de vulnerabilidade, não cabe ao Estado interferir na esfera privada do cidadão. Não é o direito penal que deve interferir. “Cabe ao Estado fornecer os meios para que o adulto possa optar por um trabalho e, se a opção for pela prostituição, pela advocacia, pela medicina ou pela limpeza de bueiros, a escolha deverá ser respeitada”

Por Erica Lima - erica.cmlima@gmail.com 
Edição Ano: 46 - Número: 117 - Publicada em: 12/12/2013

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