- Raul Spinassé | Ag. A TARDE
Candidatos cegos e surdos que disputam uma cadeira no poder legislativo ainda são raridade em todo o País. Entre os 170 mil surdos que vivem na Bahia, identificados no último censo do IBGE, por exemplo, um deles é candidato nas eleições deste ano. Professor Milton (PSB), seu nome de urna, candidato a deputado federal é surdo desde que nasceu e, por isso, também não fala.
E ele quer uma cadeira justamente no Parlamento, local onde, como diz o nome, os políticos ocupam a tribuna para falar, discursar (parlar = falar no idioma italiano). Contradição? "Não", sinaliza Milton Bezerra, 57 anos, com certa indignação.
"Cansei. Cansei porque os candidatos procuram os surdos, pedem votos e deixam a comunidade sem resposta ao que precisamos. Nada sobre nós, sem nós", sinaliza ele, referindo-se ao fato de que só representa o surdo quem é surdo. No Brasil são mais de 2,4 milhões de surdos (IBGE).
"Cansei. Cansei porque os candidatos procuram os surdos, pedem votos e deixam a comunidade sem resposta ao que precisamos. Nada sobre nós, sem nós", sinaliza ele, referindo-se ao fato de que só representa o surdo quem é surdo. No Brasil são mais de 2,4 milhões de surdos (IBGE).
Milton, que também é fundador do Centro de Surdos da Bahia, foi entrevistado com a ajuda de uma intérprete, sua esposa, Marcia Araújo, formada em Letras e Libras (sigla para a Linguagem Brasileira de Sinais). Ele respondeu às perguntas sinalizando em libras. E fazendo certas "caretas" que para os surdos - e isso pouca gente sabe -, são na verdade a pontuação e entonação da linguagem de sinais.
Em todo o País, junto com ele são, pelo seu levantamento, mais três candidatos surdos nas eleições proporcionais, nos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul. O recado é certo: vida de surdo não é brincadeira. De candidato surdo e mudo, então, avalie o eleitor.
Promessas
Fato é que Milton está na disputa por uma cadeira na Câmara Federal e promete, se eleito, rever e criar leis que podem ter impacto profundo na vida dos surdos. Suas bandeiras são muitas. Quer aprender a dirigir? Não há escolas com intérpretes para surdos nas aulas.
Promessas
Fato é que Milton está na disputa por uma cadeira na Câmara Federal e promete, se eleito, rever e criar leis que podem ter impacto profundo na vida dos surdos. Suas bandeiras são muitas. Quer aprender a dirigir? Não há escolas com intérpretes para surdos nas aulas.
Antes disso: crianças surdas de famílias de baixa renda não têm escolas para alfabetizá-las. Assim, crescem sem aprender a ler e a escrever.
"Defendo a escola bilingue", sinaliza ele. A língua de instrução do surdo é a libra. A segunda língua é o português, o código escrito. Dos mais de 2 milhões de surdos no País, acrescenta, 60% não lêem e escrevem corretamente porque não foram devidamente educados.
Por isso outra das promessas do candidato é a janela com intérprete obrigatória em todos os programas da televisão. Até no bolso o surdo sai perdendo para os cegos e cadeirantes. A isenção de IPI para compra de carro usado só se aplica aos dois últimos. "Assim não dá", reclama.
E se o surdo quiser ser atleta profissional e competir nos grandes eventos também não pode: nas Olimpíadas, o surdo não é aceito pois estaria em desvantagem em relação aos demais atletas. Nas Paraolimpíadas, sai em vantagem em relação aos cegos e cadeirantes. Placar: o surdo fica no zero a zero.
Sem patrocínio privado de campanha, Milton conseguiu ajuda para campanha (panfletos, cartazes) aparecendo ao lado de outros candidatos da legenda como a candidata ao Senado na chapa de Lídice da Mata, a ex-ministra Eliana Calmon; da vereadora Fabíola Mansur e Rodrigo Hita.
Como faz para pedir votos? Leva a esposa para onde quer que vá. E, agora, aposta na internet, no facebook e whatssap, espaços onde os surdos, sinaliza Milton, "estão se revoltando nessas eleições".
De fato, no facebook de Milton há diversos amigos surdos. Alguns lembram que até mesmo para escolher candidato para votar fica difícil: a propaganda eleitoral gratuita no rádio e televisão não tem a janela com intérprete.
E se for eleito, como fará para que todos compreendam seu discurso no Plenário da Câmara Federal? Há intérpretes lá, lembra ele. E completa: na Assembleia Legislativa da Bahia e na Câmara Municipal de Salvador é que o surdo ainda não tem vez.
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