3 de janeiro de 2015

O FIM DO TEMPO




Um fim se aproxima, e pelo menos sobre esse fim podemos nos dar o prazer de dizer que ele é apenas necessário para o início de um novo começo. Nos jogamos no desconhecido com a certeza de que o amanhã virá, e o conforto de que à meia noite comemoraremos essa transição e continuaremos vivos para testemunhar mais um pouco do que já já virará história.
Viva o mundo dos vivos. Nele sou sua vizinha, brincamos de casinha, formamos família, perdemos pessoas amadas, passamos por fins e recomeços e respiramos sem pensar a respeito. Hoje desligamos o piloto automático, refletimos sobre planos e revisitamos o que conquistamos até aqui, procurando sentidos.
Por ser um momento de busca por sentidos, aproveito o pensamento do sociólogo Norbert Elias, já abordado num post anterior, onde ele diz que há uma conexão entre como uma pessoa vive sua vida e como ela morre. O modo como ela morre depende do quanto sente que alcançou seus objetivos, do quanto sua vida foi realizada e significativa ou frustrada e sem sentido.
Estamos vivendo um processo de individualização profundo, cada um busca um sentido para sua vida como um ser isolado do mundo e quando não o encontra, se depara com um sentimento de vazio e desilusão que pode permear o fim do ano como um sensação de felicidade inatingível.
Elias diz que para muitas pessoas a busca por sentidos é um fardo, uma responsabilidade que não é bem vinda, e por isso buscam alguém que alivie esse peso, formulando para elas os objetivos que farão com que suas vidas sejam dignas. Esperam, assim, um sentido pré-determinado, vindo de fora, que dê direção às suas vidas.
Na virada do ano, transformamos esse fardo em esperança, procurando visualizar um futuro melhor, formando resoluções que nos satisfaçam e tragam conforto sobre como aprimorar nossa vida.
Um dia ela acabará e o mundo continuará a existir sem nós. Os anos passarão mas permaneceremos vivos na lembrança dos que ficam, até desaparecermos completamente, cumprindo com o único destino que iguala todos os seres vivos, como diz Ariano Suassuna, morto nesse ano, em um trecho do Auto da Compadecida enviado na carta de final de ano : “Não tem mais jeito, João Grilo morreu. Acabou-se o Grilo mais inteligente do mundo. Cumpriu sua sentença e encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca de nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo morre”. “
O fim de um ano, como mudança de ciclo, é uma espécie de morte, bem vinda e esperada. Os dois podem ser vistos como uma viagem. Na morte não sabemos para onde vamos, como seremos, nem podemos exercer o poder de escolha. Já na passagem do ano, temos o privilégio de decidir o que levar na mala e o que deixar para trás. É o único fim em que continuamos presentes. Há certa honra e humildade em ver esse novo nascer do sol e poder ser, mais uma vez, testemunha do tempo.

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