13 de novembro de 2014

Édira Gonçalves: "A ciência dos alimentos é uma fonte inesgotável de possibilidade de estudo"

Édira Gonçalves (Foto: Humberto Teski)
Transformar restos de comida em um novo e nutritivo alimento. Professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e coordenadora do Programa de Pós-graduação de Alimentos em Nutrição, Édira Gonçalves tem ampla experiência em ciência dos alimentos e desenvolveu uma farinha de frutas e hortaliças (FFH), que já se mostrou eficaz para o funcionamento intestinal. Na entrevista a seguir, ela fala sobre a importância de transformar lixo orgânico em gêneros alimentícios com novas funções e sobre o papel da pesquisa para garantir a segurança alimentar e nutricional em todas as etapas da cadeia produtiva.
Qual é a importância da Segurança Alimentar e Nutricional, tema da edição deste ano do Prêmio Jovem Cientista?
Édira Gonçalves –
 A ciência dos alimentos é uma fonte inesgotável de possibilidades de estudo. Conhecer para melhor aproveitar, reproduzir e transformar o alimento, é pensar no mundo e na humanidade. O Prêmio Jovem Cientista é uma oportunidade de buscar inovações para a segurança alimentar e nutricional, que podem vir a representar a transformação de toda a sociedade. Jovens estudantes devem se permitir pensar, questionar, buscar e trazer soluções para um mundo melhor. O tema nos remete, principalmente, ao direito de todo o indivíduo de ter acesso, de forma regular e permanente, a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente. A partir dessa lógica, é fundamental considerar práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural, ambiental e econômica e que sejam, também, socialmente sustentáveis.

Quais são os principais desafios ligados ao tema, em sua opinião?
Édira – Quando o tema é alimento, é fundamental pensar em toda a cadeia produtiva, que envolve etapas representadas pelo plantio, colheita, transporte, processamento e conservação. O alimento é um sistema orgânico que passa, naturalmente, por transformações químicas e bioquímicas. Estas mudanças podem gerar a degradação dos nutrientes e, assim, o alimento fatalmente perde a função de nutrir, e pode até provocar danos à saúde. Dessa forma, visando à segurança alimentar e nutricional em todas as etapas da cadeia produtiva, um dos principais objetivos é evitar ou minimizar os mecanismos que degradam o alimento.
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E quais são as possíveis soluções?
Édira –
 Considerando a produção de resíduos, tanto por desperdício no consumo ou na produção, quanto por perdas de safras, o aproveitamento desta biomassa é bastante desejável, uma vez que permite a obtenção de novos gêneros alimentícios ou de novas aplicações tecnológicas. O melhor aproveitamento dos alimentos pode gerar não só maior oferta como também leva à redução da agressão ambiental causada pelo lixo orgânico. Um dos estudos para promover a produção de novos gêneros alimentícios com aproveitamento integral dos alimentos está sendo desenvolvido pelo Laboratório de Bioativos do Programa de Pós-graduação em Alimentos e Nutrição da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). A partir da utilização do resíduo gerado no processo tecnológico, foi criada uma bebida isotônica de suco concentrado de frutas e hortaliças. Na produção deste suco concentrado, é gerada uma grande quantidade de resíduos, que são transformados em uma farinha de frutas e hortaliças (FFH).

Essa farinha, gerada a partir do resíduo do suco, já foi testada? Quais foram os principais resultados?
Édira – 
Sim, com 14 voluntárias que apresentavam histórico de constipação intestinal e consumiram a FFH por 10 dias. Todas apresentaram melhora do funcionamento intestinal em até seis dias após o consumo. Da população estudada, 50% apresentaram melhora já no segundo dia de consumo do produto. Por apresentar alto teor de fibras, a FFH foi avaliada como suplemento alimentar.

Existem outras possibilidades de uso dessa farinha?
Édira – 
A farinha de frutas e hortaliças foi aplicada também como ingrediente na produção de biscoitos e barra de cereais, produzindo, assim, alimentos que são fontes de fibras. As frutas e as hortaliças são fontes de compostos bioativos, que têm ação comprovada no tratamento de diversas doenças degenerativas, como a síndrome metabólica. Na avaliação da ação antioxidante da FFH, o produto se mostrou promissor na prevenção e tratamento de desordens nutricionais.  No aspecto tecnológico, a farinha de frutas e hortaliças foi utilizada na produção de revestimento e filmes biodegradáveis. Eles foram aplicados no processo de conservação de vegetais auxiliando. Os extratos da FFH também foram estudados quanto a sua ação antioxidante em óleos vegetais utilizados em processamento térmico, indicando que é possível produzir aditivos antioxidantes em óleos vegetais a partir de resíduos de alimentos.
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O Prêmio Jovem Cientista é uma iniciativa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em parceria com a Fundação Roberto Marinho, e conta com o patrocínio da Gerdau e da BG Brasil. Criado em 1981, a iniciativa é um dos mais importantes reconhecimentos aos cientistas brasileiros, tem o objetivo de incentivar a pesquisa no país e reconhecer jovens talentos nas ciências. Mais informações aqui.

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