16 de novembro de 2014

Por que a nudez pública choca tanto?

Três mulheres viraram assunto nacional por andar nas ruas sem roupa – um gesto capaz de causar furor em qualquer sociedade


TÊNIS E BONÉ Corredora nua em Porto Alegre, no  dia 9. A nudez em lugar inusitado provoca assombro (Foto: Fernando Teixeira/Futura Press/Estadão Conteúdo)
Começou no dia 30 de outubro, uma quinta-feira. Uma mulher com cerca de 30 anos pôs-­se a correr no Parque Moinhos de Vento, na Zona Sul de Porto Alegre, nua. Uma semana depois, no dia 6 de novembro, outra mulher tirou a roupa e caminhou por mais de 2 quilômetros, sob chuva forte, na Zona Norte da capital gaúcha. No domingo seguinte, dia 9, uma terceira mulher correu pelo centro histórico da cidade, perto do Palácio Piratini, sede do governo estadual. Vestia um par de tênis e um boné. No mesmo dia, pela internet, mais de 3 mil pessoas confirmaram presença num passeio de pelados, com o propósito de reforçar a ideia de que a nudez é natural. Apenas 15 apareceram, e só um tirou a roupa. No surto de nudez em Porto Alegre, houve variadas justificativas para tirar a roupa em público – crime previsto no Artigo 233 do Código Penal, sujeito a até um ano de prisão. Uma das corredoras detidas pela polícia disse que buscava “liberdade”, enquanto outros pediram saúde, segurança e moradia. Nada muito original. O que não falha é a comoção causada pela nudez em público.
No Facebook, notícias sobre as manifestações foram curtidas e comentadas mais de 70 mil vezes. Grupos programam passeios sem roupa para este fim de semana.
>> A nova luta das mulheres

Não há nada menos exclusivo que a nudez. Todos nascemos nus e podemos retornar facilmente a esse estado. Isso não diminui o impacto da falta de roupas em público. Tem 1.000 anos a história de Lady Godiva, que cavalgou nua pelas ruas de Coventry, na Inglaterra, para pressionar seu marido a baixar os impostos. Há mais de 2 mil anos, o filósofo Diógenes escreveu sobre homens e mulheres nus com o propósito de escandalizar a Grécia Antiga. “Mesmo entre os índios que andam com seios e órgãos genitais expostos, a nudez só é aceita em circunstâncias específicas”, disse a ÉPOCA o escritor Brett Lunceford, autor do livro Naked politics: nudity, political action, and the rhetoric of the body (inédito no Brasil).  “Fora de contexto, ela sempre chocou.”
CORPO EM EVIDÊNCIA 1. Uma ativista protesta contra a homofobia no Rio de Janeiro (Foto: Paul Hackett/Reuters)
Manifestantes do Femen num desfile de moda, em Paris   (Foto: Jacques Brinon/AP)
Protesto contra o consumo de carne em Londres (Foto: Christophe Simon/AFP)
A nudez em público desperta desejo, atenção, temor e assombro, diz Lunceford. Desejo, por expor à cobiça partes do corpo normalmente reservadas ao estímulo sexual. Atenção, por ser um ato inusitado. Temor, por representar uma transgressão às convenções sociais – e sugerir que outras transgressões são possíveis. Assombro, por partir de um ato insólito. Sem roupa, o indivíduo está desarmado e vulnerável. Muitos acreditam que, se alguém tira a roupa em nome de uma causa, tem convicções fortes. Por isso, a nudez é usada com frequência por manifestantes. “Pessoas sem roupa não fazem guerra”, diz Daniel Sampaio, doutor em ciências sociais pela Universidade de Hertfordshire, na Inglaterra. “A nudez é revolucionária, sempre se opõe ao poder.”
Grupos internacionais de protesto adotaram a nudez como padrão de atua­ção. Conseguiram atenção e críticas. Em 1995, Naomi Campbell e outras modelos posaram sem roupa para a campanha “Prefiro ficar nu a vestir a pele de animais”, promovida pela ONG Peta (Pessoas a Favor do Tratamento Ético de Animais). A campanha coincidiu com a queda no consumo de casacos de pele no mundo da moda. Ainda assim, na época, Naomi foi acusada de usar a campanha para promover menos a causa e mais a si mesma. Quinze anos depois, ela chamou a atenção ao estrelar a campanha de uma marca de casacos de pele. Criado em 2008 na Ucrânia como um grupo feminista, o Femen é acusado, num documentário de 2013, de valorizar a forma das manifestantes acima do conteúdo das palavras de ordem. “Nossa missão é protestar, nossas armas são os seios nus”, diz o slogan do grupo. O Femen virou uma franquia mundial – uma cópia foi até autorizada no Brasil. “Temos mais de 150 mil seguidores”, diz a ucraniana Anna Hutsol, fundadora do grupo. “Contamos com fotógrafo, cinegrafista, designer e gerente de conteúdo.”

A credibilidade da nudez pública vem caindo. Para Lunceford, o impacto se esvai com a repetição. “O Greenpeace mal despertou atenção ao fotografar um grupo nu nos Alpes Suíços”, diz. Andar por aí pelado tende a se manter como forma de protesto para uma única causa: pelo direito de andar pelado.

Fonte: Época

Nenhum comentário:

Postar um comentário