4 de dezembro de 2016

Um avanço essencial no debate sobre o aborto





Ao decidir que a prática até o terceiro mês de gestação não é crime, o Supremo Tribunal Federal valoriza a autonomia das mulheres

/O ministro Luís roberto Barroso no STF (Foto: Agência Senado)




Na semana em que vários congressistas legislaram em causa própria contra o combate à corrupção, veio do Poder Judiciário um dos raros sinais de avanço civilizatório registrados na capital federal em tempos recentes. Ao decidir que o aborto até o terceiro mês de gestação não é crime, o Supremo Tribunal Federal (STF) emitiu uma importante mensagem de valorização da autonomia das mulheres e da igualdade de gênero. Memorável o voto do ministro Luís Roberto Barroso: “Na medida em que é a mulher que suporta o ônus integral da gravidez, e que o homem não engravida, somente haverá igualdade plena se a ela for reconhecido o direito de decidir acerca da sua manutenção ou não”. O entendimento firmado pela maioria da primeira turma do STF não significa que o aborto tenha sido descriminalizado no país. Os ministros decidiram sobre um caso específico: um habeas corpus que revogou a prisão preventiva de cinco pessoas que trabalhavam numa clínica clandestina de aborto na cidade fluminense de Duque de Caxias. O mérito desse caso continuará a ser julgado na Justiça do Rio de Janeiro. A decisão do STF não precisa ser seguida por outros magistrados, mas poderá ser usada como argumento por juízes em situações que envolvam aborto até o terceiro mês de gestação.
Barroso acertou ao ressaltar que os artigos do Código Penal que criminalizam o aborto violam direitos fundamentais da mulher, como o direito à autonomia, à integridade física e psíquica, os direitos sexuais e reprodutivos e o direito à igualdade de gênero. A reação da Câmara dos Deputados foi imeadiata. O presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) anunciou a criação de uma comissão para discutir a inclusão de uma regra clara sobre aborto na Constituição. Se os deputados pretendem evitar abortos, deveriam examinar a questão à luz da saúde pública. Países desenvolvidos não criminalizam o aborto no início da gestação. A crença de que leis mais restritivas reduzem o número de abortos não tem amparo nas evidências científicas. A legalização levou à redução dos índices de aborto na França, na Itália, em Portugal e em outras nações europeias, asiáticas e africanas. O mesmo fenômeno já é observado no Uruguai, onde o aborto foi legalizado há três anos. Quando a prática é legalizada, a facilidade de acesso a serviços de saúde permite que as pacientes sejam educadas corretamente sobre os métodos contraceptivos e recebam esses recursos gratuitamente. Em metade dos casos clandestinos, não é a primeira vez que a mulher aborta. Quando a experiência se torna legal, o trabalho dos profissionais de saúde reduz esses abortos de repetição. A ilegalidade apenas alimenta o mercado de soluções abortivas que provocam a morte de uma brasileira a cada dois dias.

Nenhum comentário:

Postar um comentário